Quadrinhos criados por Zito Lima enfatizam relações pessoais. "É o vínculo afetivo com algum parente, a apresentação de balé, o tempo na escola ou o treino de atletismo, em uma rotina de direitos e deveres dentro do âmbito familiar e educacional, que qualquer criança deveria ter". O próprio artista banca produção e impressão das revistas, mas está em busca de parcerias com editoras e instituições.
Luiz Alexandre Souza Ventura
Foto: Zito Lima / Divulgação. / Estadão
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Foto: Zito Lima / Divulgação. / Estadão
A diversidade como uma característica natural da sociedade é o centro das histórias criadas pelo artista gráfico Zito Lima, de 41 anos, na coleção de quadrinhos 'Classe Extraordinária', protagonizada por crianças com deficiência e direcionada a alunos do ensino fundamental. Léo, Tina, Jana, Cauê, Naty e Kenzo são as personagens principais e também os títulos das revistas, cada uma com uma condiçâo (paralisia, deficiência auditiva, deficiência visual, amputação, síndrome de Down e paraplegia) apresentada nos desenhos, mas nunca mencionada no texto.
"O protagonismo é do indivíduo e não da condição. É uma criança que tem sua rotina, seus gostos, suas tarefas e obrigações, como qualquer outra criança. Por isso as edições são intituladas com seus próprios nomes. A deficiência aparece como referência, no entanto, não é o foco explicar nas narrativas", diz Zito Lima.
A ideia surgiu quando o designer gráfico cursava pós-graduação em ciência, arte e cultura na saúde, na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) no Rio de Janeiro. "Essa pauta entrou de vez na minha vida logo após a especialização, no mestrado em diversidade e inclusão na Universidade Federal Fluminense (UFF). Fui absorvido por esse universo e tive contato intenso com pessoas com deficiência, além do conhecimento capacitado dos professores. Tudo colaborou para a continuidade do meu projeto".
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Sem heroísmo nem superação - O autor é categórico ao afirmar que o conceito e a narrativa não falam em momento algum de heroísmo. "Muito pelo contrário. A intenção é retratar o dia a dia comum de uma criança, sendo vista unicamente assim. Não incluí a tal superação que a sociedade enxerga no geral. As histórias têm base na relação afetiva com algum familiar, retratando uma passagem de algo que a criança faz, uma apresentação de balé, o tempo na escola e o treino de atletismo. Nada disso é extrapolado ao fantástico, mas sim numa rotina de direitos que qualquer criança deveria ter. O conceito nunca foi com elas revestidas de um heroísmo e sim de ter uma vida com direitos e deveres dentro de um âmbito familiar e educacional".
Zito Lima exemplifica o conceito na história de Léo, menino com paralisia que aparece na capa da revista com uma fantasia similar à armadura do Homem de Ferro. "A história não o trata como super-herói, mas como uma criança criativa e imaginativa. A problemática é sobre escolha de profissões e futuro. Na narrativa, o laço afetivo é com seu professor, observa seu talento para o desenho. Na passagem do roteiro, ele se imagina como astronauta, maquinista, médico, bombeiro e, por fim, questiona se super-herói também é profissão. Todos esses empregos retratados graficamente. A imagem dele na capa lembrando o Homem de Ferro é apenas um momento dentro da história. Acredito que uma criança com deficiência também tenha esse deslumbre com super-heróis. Isso não o isenta de querer ser picado por uma aranha radioativa e virar o Homem-Aranha ou ter super força como o Superman. No fim das contas, ele acaba se tornando um pintor, podendo transitar em todas as formas de linguagem que sua mente alcança".
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Autista - O artista conta que está definindo a narrativa de um menino autista, Yago. "É uma criança com hiperfoco em aeronaves. Imagino uma história com ligação afetiva com o avô. Talvez esse avô já tenha falecido e ele guarda lembranças, pois seria bom falar da questão do luto. Ainda não defini, talvez ele esteja vivo e a inspiração e o gosto por isso tenha vindo dele, pode ter servido na Aeronáutica, quando jovem. É o que tenho até agora".
Aceitação - Zito Lima menciona uma pesquisa feita em Niterói (RJ), dentro da Escola Municipal Doutor Alberto Francsico Torres (EMAFT). "As perguntas abordavam vários aspectos sobre o tema e as historias em si. Por exemplo, se os alunos conheciam pessoas com deficiência e a opinião deles sobre o tema, além de questões sobre personagens e narrativas. Os personagens mais queridos foram a Tina, por maior identificação entre as meninas, por gostar de balé e vestir roupas bonitas. E, entre os meninos, o Cauê, por gostar de animais e praticar esportes. Essa pesquisa identificadou a falta de representatividade das pessoas com deficiência em mídias de entretenimento. Quando aparecem, são personagens terciários que, muitas vezes, entram para explicar a condição, salvo exceções como o Professor Xavier (líder dos X-Men, da Marvel). Se o recorte for com personagens crianças, esses dados caem muito mais, não há nenhum protagonista. Minha intenção é demonstrar que crianças com deficiência também têm nome, família, amigos, ocupação, deveres e são únicas como indivíduo, muito acima de qualquer rótulo".
Ampliação - O próprio artista está bancando todo o trabalho de produção e impressão das revistas. Ele criou recentemente o perfil @classe.extraordinaria no Instagram para facilitar contatos. Zito Lima está em busca de parcerias com editoras e instituições, inclusive para poder publicar versões acessíveis em Libras, Braille e outros recursos.
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Foto: Zito Lima / Divulgação. / Estadão
Foto: Zito Lima / Divulgação. / Estadão
Foto: Zito Kima / Divulgação. / Estadão