Governo Trump pode expulsar estudantes estrangeiros da Universidade de Harvard?
Juíza federal proíbe governo Trump de revogar matrículas de estudantes estrangeiros de Harvard.
Não demorou muito para os professores apontarem que a onda de restrições à expressão da direita, estimulada pelo governo Trump, é muito pior do que as características da “era woke”. Afinal, as restrições do progressismo eram principalmente internas, uma questão de prática acadêmica, já que alunos, administradores e professores tentavam eliminar qualquer traço de ceticismo em relação às iniciativas de diversidade, equidade e inclusão. Era irritante — e devastador se você fosse demitido ou humilhado publicamente. Na minha opinião, isso levou a um declínio dramático na qualidade da pesquisa acadêmica.
Mas as restrições da direita Maga parecem muito mais sérias, já que o governo ameaça reter fundos federais por motivos ideológicos, tenta fazer com que as faculdades se comprometam com a ortodoxia trumpista, expulsa reitores de suas funções e difama o trabalho de professores ou alunos de uma forma que os envergonha ou até mesmo os coloca em risco. Trata-se de uma supressão direta da liberdade de expressão pelo governo, exatamente o que os fundadores da república americana queriam evitar: a Primeira Emenda proíbe o governo, mas não, digamos, as universidades privadas de restringir a liberdade de expressão.
A imagem clássica da censura envolve uma repressão governamental. O objetivo fundamental da Constituição é impedir esse tipo de repressão, que os fundadores sofreram nas mãos do Império Britânico. E uma repressão governamental é um tipo de monstro diferente de uma atmosfera de pressão social e profissional: o presidente dos Estados Unidos pode empregar armas, técnicas de vigilância e instalações de internamento com as quais (ouso dizer) os vice-reitores das universidades só podem sonhar. O poder opressivo de um governo excede o de qualquer instituição privada, e os perigos para a liberdade de expressão e, portanto, para a liberdade de investigação são correspondentemente piores. Citando a liberdade de expressão como um valor fundamental, o MIT rejeitou na sexta-feira um acordo do governo Trump para financiamento prioritário se a universidade adotasse políticas conservadoras.
Campus da Universidade de Harvard, em Boston, Massachusetts Foto: Rick Friedman/AFP
No entanto, no que diz respeito à integridade das instituições acadêmicas — sua missão, valores e identidade —, a censura externa do Maga pode produzir melhores resultados do que a variedade woke.
Na auge do progressismo woke (digamos, de 2015 a 2025, embora também possamos incluir o período anterior de “politicamente correto”), professores e alunos eram frequentemente cancelados por outros professores e alunos. Fantasias de Halloween inadequadas ou um erro de pronome podiam colocá-lo em uma crise de meses, na qual você perderia amigos e colaboradores de pesquisa. Isso compromete a missão de uma universidade: produzir e disseminar conhecimento.
A ideia de que, na minha disciplina, a filosofia, existem centenas de dogmas minuciosos (muitos deles relativos à “justiça social”) que devem ser aceitos é totalmente destrutiva. Para fazer filosofia de forma eficaz, é melhor estar pronto para dizer o que acredita ser verdade e pode, de alguma forma, comprovar. Em minha carreira de mais de 30 anos, vi muitos fracassos desse tipo, por razões compreensíveis. Se você não recitasse o dogma, seus filhos poderiam perder o plano de saúde.
O senador Ed Markey conversa com estudantes da Universidade de Georgetown, em Washington Foto: Manuel Balce Ceneta / AP
Acho que o período da minha carreira (aproximadamente de 1990 a 2023) correspondeu a um colapso na qualidade da pesquisa e das publicações em filosofia e outras disciplinas das ciências humanas e sociais. Em 1980, havia filósofos importantes, distintos e idiossincráticos, como Michel Foucault, Richard Rorty, W.V.O. Quine, Arthur Danto e Judith Jarvis Thomson. Em 2010, suas vozes haviam sido silenciadas e talvez ninguém tão ousado quanto eles pudesse ter sobrevivido à pós-graduação. Minha impressão é que muitos profissionais de outras disciplinas sentem basicamente o mesmo. A produção acadêmica está mais homogênea, insossa, segura e menos sincera.
De fato, em 2020, era difícil saber quais declarações políticas eram sinceras. Para sobreviver, era preciso condenar Donald Trump nos mesmos termos que o resto do pessoal do departamento (“uma ameaça à nossa democracia”), colocar seus pronomes em todos os e-mails, lamentar a apostasia de J.K. Rowling e dizer “as palavras que usamos são importantes”, como se isso resolvesse todas as disputas. Estávamos sob imensa pressão dos colegas. Se uma determinada pessoa acreditava no que estava dizendo era irrelevante. Era uma cultura de fingimento, ocultação e ativismo de demonstração que buscava gerar ou simular uma sensação de autenticidade. Mas era impossível dizer quem acreditava no que dizia em seu coração.
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No entanto, espero que as restrições do movimento Maga possam produzir um efeito interno muito melhor. Se em 2020 o corpo docente estava focado em expurgar os dissidentes de suas fileiras, agora os perseguidores woke e as vítimas estão todos do mesmo lado, todos parte de uma instituição sob extrema ameaça externa. Os progressistas woke estão descobrindo como suas vítimas se sentiam, o que pode levá-los a refletir. As restrições à liberdade de expressão vindas de fora ameaçam o financiamento, a posição e o status de emprego de todos. É provável que todo o corpo docente e toda a administração permaneçam juntos - ou caiam juntos. O financiamento diz respeito a todos.
Talvez isso já tenha amenizado as divisões e o processo de autodestruição da academia woke. E talvez, a longo prazo, tenha efeitos positivos na qualidade da pesquisa. As pessoas estão repentinamente se lembrando da necessidade de uma investigação sem restrições para a produção de conhecimento e do direito acadêmico e civil de expressar o que realmente se acredita. O ataque Maga ao ensino superior pode acabar tendo um impacto melhor do que as restrições do progressismo woke tiveram.
Isso, de maneira enfática, não significa que elas sejam defensáveis, sensatas ou constitucionais.